DIA 253: Desconstruir a minha ideologia - a guerra fria que criei em mim

sábado, março 22, 2014 0 Comments A+ a-




Todo o meu programa mental é baseado em ideias que eu criei sobre mim própria e esta é a ideologia que tem servido de guia na minha vida, manifestada nas minhas decisões e atitudes para com as coisas, quer sejam acontecimentos ou pessoas.

De acordo com o dicionário, uma ideologia é "um sistema de ideias, valores e princípios que definem uma determinada visão do mundo, fundamentando e orientando a forma de agir de uma pessoa ou de um grupo social (partido político, grupo religioso, etc.)"*.
Cada um de nós tem a sua própria ideologia que funciona como os nossos óculos (com filtros!) para vermos o mundo e, especialmente, para nos vermos a nós próprios. São exactamente estes filtros/ideias de mim própria e do mundo que eu me proponho desconstruir ao longo do meu processo de investigação, perdão-próprio e auto-correção. Para isso, a primeira decisão foi a de ver que esta ideologia não é necessariamente a minha verdade e que eu não tenho de impor estas ideias a mim própria nem de projectá-las no mundo. Porquê? Porque não tem sido o melhor para mim nem para os outros à minha volta, especialmente nos padrões que se manifestam na minha relação comigo própria, nas minhas relações com os outros e na minha relação com o mundo. Há pontos que eu me tenho tornado ciente e me tenho dedicado a corrigir  ao longo dos últimos anos - tal como uma cebola, à medida que retiro uma camada encontro uma nova ou o mesmo ponto surge para eu lidar novamente, de uma vez por todas.

Vou hoje começar com uma ideia que, embora pareça ser superficial, foi a partir desta que eu comecei a investigar a origem da minha ideologia e que decidi escrever este blog.
Até hoje, tenho-me definido com sendo friorenta e ainda não me tinha apercebido como esta ideia me tem limitado e criado desconforto na minha realidade. Por exemplo, a ideia de ter frio tem-me impedido de sair de casa à noite, de sair da cama de manhã ou até de andar descalça na tijoleira. Se a ideia do frio não existir, aquilo que eu vejo é que é uma questão de hábito e que o meu corpo adapta-se à temperatura rapidamente.
Ou seja, a ideia que eu tenho do choque de temperatura é tudo aquilo que me limita - é a imagem do frio que existe na minha mente que me limita a minha ação, seja ela qual for! Lembro-me de ter ido fazer snowboard e, mesmo dentro do autocarro, já estava a criar uma reação ao frio só de pensar no frio que eu iria sentir  lá fora. Na minha mente, eu crio o desconforto do frio mesmo antes de o sentir porque já tenho registada em mim a ideia do choque de temperatura. No entanto, se eu não reagir contra o frio, irei rapidamente ver/sentir que afinal não custa tanto e que o frio passa, ou que posso fazer com que o frio não se sinta (agasalhar-me melhor, por exemplo)

A importância de analisar a minha experiência do medo do frio reside em identificar um padrão de pensamento que, muito provavelmente, se aplica noutras situações e que pode evoluir para uma fobia. Tal como qualquer medo, este não precisa de existir. O mesmo padrão existe em relação às preocupações: ou seja, pre-ocupamo-nos com algo mesmo antes desse algo existir. Isso é inútil e não ajuda a lidar com a realidade.

Durante a minha infância eu lembro-me de ser chamada "friorenta" porque eu era mais sensível ao frio do que as minhas irmãs. A minha mãe dizia várias vezes que eu "era feita de lãzinha" porque não podia apanhar uma corrente de ar ou sentir um bocadinho de frio sem me queixar. Este tornou-se um automatismo até hoje.
Ao escrever sobre este padrão consigo identificar outros automatismos em mim que são baseados em ideias, ou seja, a minha ideologia passou a ditar as minhas ações. O facto de eu acreditar que sentir o frio do chão ou a brisa do vento é razão para eu reagir faz com que eu reaja. Porquê? Vejo agora que existe o medo de ficar constipada. Quem é que não ouviu dizer: "não apanhes frio ou ainda ficas constipada". Grande parte da educação infantil consiste em ameaças ou em ultimados de "ou fazes isto ou qualquer-coisa-de-mau acontece". Por isso, apanhar frio ou sentir frio passou a ter uma conotação negativa em mim. Quantos de nós temos esta relação de medo ou de preocupação com as coisas?

Este processo é revelador. Quanto da vida estamos a ignorar ou a escolher não ver porque aceitamos e permitir limitarmo-nos com as ideias que impomos a nós mesmos? Quanto de mim estou a limitar ao participar neste padrão de auto-limitação que, tal como um vírus, tem a capacidade de contagiar as minhas outras ações para justificar a "lealdade" à ideologia?

Apesar deste blog ser essencialmente para transmitir o padrão e perceber como é que a mente funciona, escusado será dizer que são exactamente estas ideias que criam separação para com a realidade e isto passa-se tanto nas nossas vidas pessoais como ao nível internacional - basta ver como a ideologia serve de rótulo que bloqueia a comunicação entre grupos definidos por ideologias diferentes.

Não será a Guerra Fria uma manifestação da nossa própria relação com as nossas ideologias e da maneira como nos sentimos ameaçados por ideologias diferentes que desafiam as nossas própria crenças?
Finalmente, não será a ideologia uma barreira invisível e mental que nos separa do mundo físico e da realidade?

Voltando ao exemplo do frio, o facto de eu evitar colocar o pé na tijoleira, estou a sabotar o meu equilíbrio corporal e posso eventualmente magoar-me "a sério" na tentativa de saltar de um tapete para o outro; ter resistência para sair de casa por causa da ideia do frio pode condicionar o meu dia e dificultar a minha comunicação com os outros por estar em modo reactivo;  preocupar-me com a ideia de ficar constipada por sentir frio é meio caminho andado para me permitir estar vulnerável e criar a minha própria doença na minha mente e depois no meu corpo.


Este processo de desconstruir a minha ideologia é o processo de tomar responsabilidade por cada pensamento, por cada ideia, por cada julgamento e por cada verdade ou mentira que eu criei em mim própria. Só tirando estes óculos foscos é que será possível ver o que a vida realmente é, expandir-me e vero o mundo em que andamos, com os pés bem assentes na Terra.


* Referência: http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/ideologia;jsessionid=4dEnn8Aioc735WTIZ+kn7Q__

Ilustrações: Andrew Gable, Stop the Cycles of Collapse
                Word from the Well, Ground ourselves