DIA 258: A Nossa Gaiola Dourada... e a Culpa no Prazer

domingo, setembro 20, 2015 0 Comments A+ a-

Sempre que estou em Portugal ou com familiares apercebo-me de maneiras de pensar e de agir que eu julgo como sendo limitadoras, normalmente baseadas naquilo que os outros pensam, e nunca pondo o seu bem-estar em primeiro lugar (nem em segundo, nem em terceiro). Mesmo quando há oportunidade para se sair da toca, descontrair e usufruir de algo gratificante, há uma força invisível de medo que o momento acabe ou que não se repita, ou que não se mereça o melhor, ou sentir-se culpado porque outras pessoas não estão a experienciar o mesmo. Uma amiga minha chamou a este fenómeno a "culpa no prazer".  

Recentemente vi estes padrões auto-destrutivos e de pouco amor-próprio no filme de Ruben Alves "La cage dorée" (A gaiola dourada) que retrata as peripécias de emigrantes Portugueses em Paris,  e questionei-me sobre a nossa aceitação (pessoal e nacional) de vivermos para os outros, sem controlo sobre as nossas vidas, e em modo de vitimização.

Tanto lá fora como cá dentro, há na nossa cultura uma constante angústia intervalada por breves momentos de descontração no café da esquina ou em frente ao ecrã da bola, para depois se voltar a falar dos problemas (normalmente dos outros) e mais uma vez esquecer-se de si próprio. Por muito honestos que sejamos, aquilo que faz da nossa vida uma prisão é a falta de honestidade própria sobre quem somos e quem queremos ser.

Dei por mim a sentir-me claustrofóbica, assustada e a julgar as personalidades que via passar no ecrã por perceber que estes padrões existem de facto e que afectam a vida das pessoas brutalmente - mas mais do que as peripécias que acontecem ao casal Ribeiro, esta foi uma oportunidade para investigar como eu também crio a minha própria gaiola, consciente ou inconscientemente. Sugiro que faças o mesmo por ti.

Algumas das minhas reações foram: apatia e medo em dar direção à minha vida; o medo de desapontar alguem com a minha decisao; a culpa por fazer algo benéfica para mim; o aparente conforto na vitimização e no desconforto; e a energia da fofoquice.

Nos próximos artigos irei desconstruir cada um destes padrões e ver como é que eu posso mudar a minha relação com estes hábitos e automatismos culturais. Por agora convido-vos também a ver o vlog sobre a minha experiência enquanto via o filme. E já agora subscreve o meu canal :)


DIA 257: Quem são os refugiados e porque é que a Europa é também responsável pelo que se está a passar?

sábado, setembro 05, 2015 0 Comments A+ a-

Foto: Refugiados Sírios celebram com uma selfie a chegada à Grécia após uma viagem arriscada (Reuters/Yannis Behrakis)

"Parem a guerra. Nós também não queremos estar na Europa. Por isso parem a guerra."

A elevada chegada de migrantes e refugiados a Europa está a ser mediático e a gerar preocupação nos Portugueses: por um lado queremos ser solidários para com aqueles que precisam de encontrar um refúgio seguro, e por outro lado há quem pense que primeiro temos de cuidar dos Portugueses que também precisam de ajuda. A meu ver, uma não tem de invalidar a outra e é esta mentalidade de considerar ambos (os nacionais e os estrangeiros) que tem de ser promovida. Esta é, apesar de tudo, uma excelente oportunidade para nos questionarmos sobre aquilo que temos andado a fazer ao longo dos 60 anos de paz em que a União Europeia (UE) tem coexistido: não seria já altura de se garantir que todos os habitantes da UE tivessem uma vida de qualidade e se eliminásse de uma vez por toda a pobreza num continente tão rico de ideais e de pessoas? Não seriamos um ótimo exemplo para acolher aqueles que ainda não tiveram a liberdade de viver num pais livre de guerra, para que também eles aprendessem connosco o que é viver em estabilidade social? No entanto, aquilo que temos assistido (em segunda mão pelos ecrãs televisivos) tem sido o oposto de um acolhimento generoso e de uma aceitação de unidade na diversidade. O uso de polícias de choque em vez de psicólogos ou de assistentes sociais é prova de que ainda não evoluímos de uma mentalidade bélica que vê terrorismo a cada esquina. Este é um reflexo do potencial que a UE não está a desenvolver ao seu potencial máximo.

Relativamente às questões práticas de receber e alojar pessoas que fogem da guerra à procura de asilo, é importante perceber quem são os refugiados: primeiramente, são seres humanos como tu e eu, e segundo a Convenção Relativa ao Estatuto de Refugiado, um refugiado é uma pessoa que "receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção daquele país..." (http://www.cidadevirtual.pt/acnur/un&ref/who/whois.htm)
Apesar de qualquer conotação negativa que se possa associar a pessoas refugiadas (associadas às imagens desoladoras que passam em todos os telejornais), este estatuto tem direitos que são importantes recordar: "um refugiado tem direito a um asilo seguro. Contudo, a protecção internacional abrange mais do que a segurança física. Os refugiados devem usufruir, pelo menos, dos mesmos direitos e da mesma assistência básica que qualquer outro estrangeiro, residindo legalmente no país, incluindo determinados direitos fundamentais que são inerentes a todos os indivíduos. Portanto, os refugiados gozam dos direitos civis básicos, incluindo a liberdade de pensamento, a liberdade de deslocação e a não sujeição a tortura e a tratamentos degradantes." (http://www.cidadevirtual.pt/acnur/un&ref/who/whois.htm#rights)
É importante também relembrar que existem fundos de assistência aos refugiados que têm de cobrir estas necessidades. Aliás, em alturas de grande fluxo migratório, será da responsabilidade do Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) garantir os recursos para assistência aos refugiados e outras pessoas abrangidas que não consigam garantir as suas necessidades básicas .

Aquilo que eu vejo que está a acontecer é uma onda de medo e de insegurança promovidos pelos meios de comunicação social que é injectado nas mentes da audiência que ouve e vê o mesmo drama durante dias seguidos. Aquilo que eu não vejo ser transmitido são documentários ou factos sobre as verdadeiras razões da guerra na Síria e nos países vizinhos que levam pessoas a abandonar as suas casas, e sobre o interminável interesse em viver-se em estado de guerra e armamento.

Uma criança de 13 anos foi clara na sua mensagem ao mundo: "Parem a guerra. Nós também não queremos estar na Europa. Por isso parém a guerra."




Mas porque é que ele nos pediu para pararmos a guerra? Será que nós somos também responsáveis pela guerra que se luta numa terra que pensamos não ser nossa? Como é possível que afinal esta onda migratória seja apenas o sintoma de uma doença mais profunda?

Mais do que nunca, o mundo e as relações internacionais são interdependentes, o que significa que nenhum acontecimento político ou económico é isolado do sistema internacional. Infelizmente, esta relação de interdependência não está a ser desenvolvida com base na igualdade e só uma minoria de países/corporações/famílias beneficia das regras do jogo. Quanto à Síria, a luta contra o ISIS (Estado Islâmico) pelas forças Americanas, Russas e Europeias assemelha-se às demonstrações de poder e influência durante a guerra fria, num teatro de poder propagado pelos meios de comunicação social controlados pelas elites. Aconselho que se leiam artigos menos mainstream que explicam as relações entre os Estados Unidos, o movimento jihad Islâmico e as famílias reais do Médio Oriente, cujas alianças estão a ser desafiadas pela Rússia (ler artigo: http://www.globalresearch.ca/in-syria-putin-calls-obamas-bluff-russia-joins-war-against-the-islamic-state-isis/5473539).

O resultado desta guerra, como qualquer outra guerra, é a destruição de sociedades que deixam de funcionar e de ter as condições para garantir os direitos básicos de seres humanos. Estes são os migrantes e refugiados que fogem de uma guerra que nunca pediram. Estes são os chamados "danos colaterais" de uma luta com proporções desastrosas para a maioria da população no planeta que, de uma maneira ou de outra, é afectada pelos jogos de poder (tal e qual um game of thrones).

Quanto aos Europeus e aos Portugueses em particular, nós estamos directa e indirectamente envolvidos nesta luta de interesses entre o Ocidente (EUA, OTAN) e a Rússia:  enquanto União Europeia, temo-nos afastados cada vez mais dos princípios de bem-comum com que a UE fora fundada (de acordo com a informação disponível acerca da origem da UE) e temos estado à mercê dos interesses americanos (incluindo do FMI), da ganância do tudo ou nada, e do abuso dos recursos que priveligia a minoria. Aliás, talvez seja ingénuo acreditar que os valores fundadores foram alguma vez prioridade. Por isso, a meu ver, está na altura de reconhecer que é da nossa responsabilidade exigir senso comum, igualdade, e uma nova visão para o mundo diferente do estilo Hollywoodesco das guerras, desigualdade e destruição planetária. Atrocidades estão a acontecer num momento em que nós estamos também a assistir e a escrever a História do mundo - em ano de eleições legislativas, nós podemos exigir conhecer a posição dos potenciais líderes políticos quanto aos refugiados, quanto à defesa dos direitos básicos dos nacionais e dos estrangeiros, escolher não promover o medo nem o recurso à guerra pelos meios da nossa comunicação social, e individualmente reconhecermos que é possível mudar o mundo/sistema para que todos tenham direito à vida.

A minha posição quanto à mudança do sistema: http://rendimentobasico.pt/